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Sexto país em pedidos de refúgio, Brasil ainda precisa avançar em integração

Publicação lançada pela TV Globo em SP discute deslocamentos forçados com textos, artigos e fotos sobre a vida de refugiados no país
Lançamento de edição com textos, fotos e artigos aconteceu no Museu da Imigração, em São Paulo. Foto: Globo/Guga Scatena
Lançamento de edição com textos, fotos e artigos aconteceu no Museu da Imigração, em São Paulo. Foto: Globo/Guga Scatena

SÃO PAULO - Três filhos nasceram do amor de uma muçulmana no Líbano e um sírio, cristão. Como o casamento interreligioso não é reconhecido no país, nasceram três crianças apátridas , nome dado às pessoas que não são consideradas cidadãs de lugar algum. Maha Mamo, uma delas, lutou mais de vinte anos por uma nacionalidade. No ano passado, ela conseguiu os documentos de brasileira. O país virou também a casa de Prudence Libonza, que deixou a guerra na República Democrática do Congo. Apaixonada pelas novelas brasileiras, ela aprendeu português e veio para o Brasil. Morou no Rio e, há quatro anos, vive em São Paulo, com cinco filhos. As histórias de Maha e Prudence são alguns dos destaques do Caderno Globo - Deslocamentos e Refúgios , publicação lançada pela TV Globo nesta quarta-feira no Museu da Imigração, em São Paulo.

A edição se concentra na situação de refugiados e pessoas que passam por deslocamentos forçados e que escolheram o Brasil para viver. Em mais de 130 páginas, reúne artigos, análises de especialistas e fotos que dão um panorama de um tema atual e complexo, com foco nos deslocamentos recentes ao Brasil. Os textos mostram que, embora o Brasil tenha uma tradição de acolhimento migratório, ainda precisa avançar em temas como inclusão, integração profissional e aceitação de diferenças.

- Esse é um tema da história da humanidade. O caderno aprofunda em diferentes aspectos do refúgio e faz refletir sobre isso, estimulando o debate com gente da academia, terceiro setor e também com prestação de serviços, dando voz às pessoas - diz Beatriz Azeredo, diretora de Responsabilidade Social da TV Globo.

O lançamento foi marcado por um debate mediado pelo jornalista Pedro Bial com a congolesa Prudence Libonza, a coordenadora do Observatório das Migrações em São Paulo, Rosana Baeninger, da Unicamp, e Camila Sombra, chefe em exercício do escritório em São Paulo do Acnur, a Agência da ONU para Refugiados. Os dados do Caderno Globo podem ser acessados na edição impressa e ainda em https://app.cadernosglobo.com.br , que disponibiliza textos, fotos, vídeos e podcast sobre o tema desta edição.

Jornalista Pedro Bial mediou debate com refugiados e acadêmicos em São Paulo. Foto: Globo/Guga Scatena
Jornalista Pedro Bial mediou debate com refugiados e acadêmicos em São Paulo. Foto: Globo/Guga Scatena

No evento em São Paulo, Prudence lembrou que fugiu há onze anos da República Democrática do Congo levando a roupa do corpo e uma filha, e ainda grávida de outra menina. Foram para Angola, onde Prudence conheceu as novelas brasileiras. Quando chegaram ao Brasil, ela solicitou refúgio. E conheceu o Brasil real.

- Não conhecia ninguém. Fiquei um tempo em uma comunidade no Rio. Havia muitos negros e preconceito. Foi um choque cultural. Difícil me acostumar, mas continuo batalhando - contou Prudence, hoje presença frequente em eventos sobre imigração e refúgio em São Paulo.

A cientista social Rosana Baeninger lembrou que o imaginário migratório brasileiro é pautado nos movimentos dos séculos 19 para 20, em um deslocamento majoritariamente masculino e branco. Do século 20 para 21, porém, os movimentos ao Brasil passaram a ser principalmente de africanos e latino-americanos. O Estatuto do Refugiado, de 1997, e a Lei de Migração, de 2017, foram dois instrumentos importantes na construção dos direitos humanos de quem chegava.

- Mas o caminho ainda é longo para garantir visibilidade e interações sociais dos imigrantes - afirma Rosana. - O Brasil é considerado um país possível para os refugiados porque, muitas vezes, os países do Norte se fecham.

Em 2018, o Brasil foi o sexto país que mais recebeu pedidos de refúgio no mundo: foram 80 mil solicitações - e três quartos delas vieram de venezuelanos. Os dados são do Acnur. Segundo a chefe em exercício do escritório em São Paulo, Camila Sombra, o programa de interiorização tem sido importante na integração de refugiados, depois do primeiro atendimento de emergência na fronteira brasileira.

- É uma solução de referência internacional de como o Brasil vem lidando com o tema - afirmou.

Mais de onze mil pessoas já foram incluídas nesse processo, em uma iniciativa que une governo federal, instituições da sociedade civil e do setor privado, com apoio de agências da ONU. A inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, passo seguinte na integração, é um desafio que persiste.

- Recentemente publicamos uma pesquisa sócio-econômica sobre refugiados - conta Camila. - Os entrevistado têm alto perfil educacional. Mais de 30% com nível superior, mais de 50% com Ensino Médio completo. Mas isso nem sempre gera uma inserção no mercado de trabalho à altura.

Algumas dessas histórias estão também em uma exposição fotográfica de Felipe Fittipaldi, que registrou abrigos de refugiados em Roraima. Ele assina as fotos da publicação e também as imagens expostas agora no jardim do Museu da Imigração em São Paulo.