Rio

Professora fala sobre políticas públicas voltadas para jovens cariocas

Em entrevista, a professora Joice Melo Vieira, da Unicamp, conta os desafios para a cidade

RIO — Joice Melo Vieira, professora do Departamento de Demografia do Núcleo de Estudos de População, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que o grande desafio das políticas públicas é possibilitar aos jovens responsáveis por domicílios conciliar as suas responsabilidades com o investimento educacional e a iniciação ou a continuidade de uma aprendizagem profissional. Joice defende ainda políticas habitacionais que permitam a esses jovens de 15 a 24 anos adquirirem o primeiro imóvel.

No Rio, 4,3% dos jovens de 15 a 24 anos são responsáveis pelo domicílio. Que impactos o status de chefe de domicílio traz na vida de um jovem? Qual o desafio para as políticas públicas?

Vários fatores podem levar um jovem a assumir essa posição no domicílio: a necessidade de buscar uma vida melhor em outra localidade distante da família; a formação precoce do par conjugal e de um novo núcleo familiar; haver se tornado arrimo de família, mesmo quando ainda reside com os pais, avós ou outros familiares. Por outro lado, não se pode esquecer que um estudante morando sozinho para dar continuidade aos estudos pode seguir sendo sustentado pelos pais e viver só em um apartamento alugado, por exemplo, o que o faz ser captado pelo censo como “chefe de domicílio unipessoal”. Em outros casos, um recém-formado de 21 a 24 anos que conquistou um emprego fixo também pode morar sozinho ou com um ou dois amigos e ser listado no censo como chefe. Ou seja, são situações muito distintas. E, obviamente, refletem situações completamente distintas em termos de vulnerabilidade social. A juventude é idealizada como um período de moratória, quando se espera que o jovem tenha tempo para desenvolver ao máximo suas potencialidades, investir em capacitação profissional, conhecer a si mesmo, preparar-se para as etapas posteriores da vida. Sobretudo nos casos em que os menores de 21 anos assumem responsabilidades de chefe de domicílio e também de família, isso implica de certa forma queimar etapas, abreviar este período de moratória. Nos casos dos adolescentes que são chefes-arrimo de família, o trabalho costuma assumir precedência sobre os estudos. Em termos de políticas públicas, o grande desafio é possibilitar a eles conciliar as responsabilidades já assumidas com as necessidades de investimento educacional, iniciação ou continuidade de uma aprendizagem profissional. Por outro lado, políticas habitacionais para a conquista do primeiro imóvel, especialmente para aqueles que já estão constituindo núcleos familiares é fundamental para ajudá-los a alcançar estabilidade e qualidade de vida.

O percentual de responsáveis por domicílio aumenta na distribuição na cidade de forma inversamente proporcional à renda. É esperado que jovens de menor renda se casem mais cedo ou decidam ir morar sozinhos? Por que?

É preciso ter em mente que a estrutura etária não é a mesma em toda a cidade. Ou seja, há bairros que concentram pessoas mais velhas, mais famílias, mais casais com filhos pequenos, mais jovens. Isso tem muito a ver com os serviços oferecidos em cada região, com o tamanho dos empreendimentos imobiliários e, sem dúvida, também com o custo de vida de cada região da cidade. De fato, jovens de camadas de renda mais baixa tendem a formar família mais cedo e na nossa cultura em geral “quem casa quer casa”. Nem todos conseguem formar domicílio independente, mas havendo oportunidade e renda, eles tentarão formar seu próprio lar. Para os jovens oriundos de famílias de baixa renda, formar família é muitas vezes o grande projeto de vida. Por outro lado, não se pode negar que jovens em início de carreira recebem salários mais modestos que seus pares em estágio mais avançado da vida profissional. Portanto, mesmo quando são oriundos de famílias de camadas médias e decidiram adiar a formação de família para uma etapa posterior, a maioria deles viverá em bairros mais modestos, nos quais o custo de vida e os aluguéis são mais baixos. Considerando o ciclo de vida, as pessoas em geral têm renda mais baixa durante os anos de juventude. Obviamente há exceções em determinados ramos de trabalho especializado. Mas, para a grande maioria, os anos de juventude serão aqueles de “vacas mais magras”. Portanto, aqueles que vivem da renda proveniente de seu próprio trabalho precisam se adaptar a essa condição.

Por que entre os jovens há proporcionalmente mais mulheres responsáveis pelo domicílio que entre os homens? No Rio, enquanto 4,6% das jovens entre 15 e 24 anos são responsáveis pelo domicílio; entre os homens, o índice fica em 4,3%.

Essa é uma tendência percebida desde o início dos anos 2000. Para todas as perguntas que estão sendo feitas é muito útil discernir os jovens que são chefes em domicílios unipessoais daqueles que são chefes de domicílio onde reside um casal ou uma família. As hipóteses explicativas para esse diferencial de gênero ainda geram muita especulação. Mas pensando, sobretudo, nos domicílios unipessoais, podemos considerar que as mulheres podem estar por assim dizer “mais preparadas” para assumir sozinhas as responsabilidades que demandam um domicílio. Muitos rapazes preferem seguir morando com os pais, mesmo quando já tem recursos para alugar um domicílio independente, pois podem continuar desfrutando dos cuidados maternos: casa, comida e roupa lavada. As moças estão em certa medida mais preparadas para assumir não apenas o sustento do domicílio, mas também as tarefas de manutenção diária deste domicílio. Homens que passam pela experiência de viver sozinhos em geral aprendem a fazer minimamente algumas atividades domésticas básicas. Apesar das conquistas femininas das últimas décadas, grande parte dos meninos não é socializada para desempenhar atividades domésticas. Isto de certa forma, faz com que desejem prolongar a coabitação com a família de origem. Destacaria que especialmente para o Rio o percentual de jovens do sexo masculino que são chefes não é muito diferente do feminino. Mas esse diferencial tem a ver com o fato das mulheres em geral constituírem família mais cedo que os homens e, mesmo quando solteiras e sem filhos, elas têm menos dificuldade para cuidar de um domicílio em razão da socialização de gênero e da divisão sexual do trabalho continuar ainda viva no interior dos domicílios e no dia a dia das famílias. Os pais e as mães não preparam seus filhos homens para cuidarem de sua própria roupa, de sua própria comida, algo que em grande parte segue sendo esperado para uma moça.

A taxa de participação (População Economicamente Ativa dividida pela População em Idade Ativa) na cidade do Rio de Janeiro já se encontra abaixo da brasileira e das demais capitais. No caso dos jovens, isso igualmente se verifica. Alguma pista do motivo?

As pessoas podem adiar a entrada no mercado de trabalho por razões muito distintas. Alguns podem de fato estar se dedicando integralmente aos estudos. Em outras situações, a motivação pode ser preocupante como no caso dos jovens que desistiram de buscar uma inserção profissional, que nem estudam e nem trabalham e que estão mal preparados para competir por oportunidades futuras. Outro cenário possível é o de jovens que se tornaram mães e se retiraram temporariamente do mercado de trabalho, mas que podem voltar a qualquer momento. Mais de 20% dos jovens no Rio não estudam e nem trabalham. Isso deve ser objeto de política pública específica dependendo do perfil do jovem: se foi mãe e precisa reorganizar seu cotidiano, se está mal qualificado para o mercado e por isso está marginalizado e sem opções, se se envolveu com drogas quer como usuário ou como mão de obra mobilizada pelos traficantes, etc. Para cada uma destas situações é um trabalho abordagem que se faz necessário, embora todos necessitem de capacitação e intermediação para facilitar o acesso a empresas e consequentemente a um emprego formal.

Mais de 94% dos cariocas entre 18 e 24 anos se declaram solteiros. Esse percentual está próximo da média brasileira? A literatura mostra que os cariocas, de fato, postergam a sua transição para a vida adulta?

É preciso desmistificar a transição para a vida adulta. As pessoas não postergam ou adiantam a passagem para a vida adulta com base apenas na sua vontade individual. É todo um cenário de maior ou menor grau de oportunidades, constrangimentos, incertezas, benefícios ou necessidades que culmina em um tempo de juventude mais longo ou mais abreviado. Assim, uma transição para a vida adulta mais tardia gera impactos na vida do indivíduo, mas também é reflexo de uma realidade social que pede maior investimento educacional e profissional, bem como um momento histórico em que se passa a valorizar o autoconhecimento, a experimentação e a conquista de estabilidade financeira antes de constituir uma família. Parte desses jovens pode resolver não formar família e isso embora cause espanto em parte da sociedade já não gera a mesma censura moral que provavelmente geraria há 30 anos. Embora o adiamento da transição para a vida adulta seja consequência de transformações mais profundas em todo o curso de vida, aumento da expectativa de vida, busca de outros sentidos para a vida, o impacto mais óbvio e direto é o adiamento da formação de família. Para o grupo que adia a transição para a vida adulta a idade ao casar e a idade ao ter o primeiro filho é obviamente maior. Este grupo que adia a entrada na vida adulta em geral tem uma prole bem menos numerosa. Uma transição para a vida adulta tardia pode contribuir para a manutenção da fecundidade em níveis bastante baixos. As pessoas deixam para se tornarem pais e mães mais tarde e provavelmente concebem um número menor de filhos.