EM BUSCA DE SOBREVIVÊNCIA

Do exterior para Campinas, refugiados buscam nova vida

Em 20 anos, eles totalizaram 2,2 mil dentre 20 mil imigrantes que chegaram à cidade

Do Correio Popular
25/06/2022 às 17:56.
Atualizado em 26/06/2022 às 08:36
Depois da jornada de 1.200 km entre Puerto La Cruz, na Venezuela, e Boa Vista, em Roraima, Deixy Aguilera veio trabalhar em shopping de Campinas (Gustavo Tilio)

Depois da jornada de 1.200 km entre Puerto La Cruz, na Venezuela, e Boa Vista, em Roraima, Deixy Aguilera veio trabalhar em shopping de Campinas (Gustavo Tilio)

Campinas recebeu uma população de 19.828 estrangeiros entre 2000 e 2020, dos quais em torno de 10% são refugiados, ou seja, cerca de 2 mil pessoas. É o que mostra o Observatório das Migrações em São Paulo, grupo de pesquisa desenvolvido no Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Nepo).

De acordo com o estudo feito com base nos registros da Polícia Federal, os Estados Unidos são o país de origem da maioria dos imigrantes, 2.262 no total, seguido pela Colômbia (2.148) e Argentina (1.236). "Campinas, que é uma cidade rica e com muitos atrativos, tem várias empresas multinacionais, atrai tanto o imigrante altamente qualificado como os refugiados", diz a professora e pesquisadora do Núcleo, Rosana Baeninger.

Segundo o Observatório das Migrações, a maioria dos imigrantes é estudante, 5.976, entrando nesse número os filhos dos estrangeiros que se instalaram na cidade. Já a profissão que ocupa o primeiro lugar no ranking é a de engenheiro, o que foi declarado por 1.353 pessoas. 

Requisitos

O requisito para obter a classificação legal de refugiado é ser vítima de perseguição política, racial, religiosa, orientação sexual ou estar fugindo de guerras. Nessa condição, o estrangeiro pode obter todos os documentos em território nacional, como CPF e carteira de trabalho, e trabalhar no País. "Não é só o que o Brasil dá a eles, mas o que eles têm muito a oferecer", diz Rosana. Entre os refugiados, há profissionais altamente capacitados que compartilham seus conhecimentos e, de uma forma geral, contribuem como mão de obra e pluralidade cultural.

Deixy Maria Serra Aguilera se emociona ao falar das dificuldades que enfrentou com o marido e o filho de 13 anos para atravessar os 1.200 quilômetros entre Puerto La Cruz, na Venezuela, onde morava, e Boa Vista, capital de Roraima, em busca de uma vida melhor. "Passamos uma semana caminhando pela floresta com apenas um cobertor para dormir", recorda. A coberta era usada pelo filho, enquanto o casal dormia deitado na terra.

Durante a viagem realizada há nove meses, a família se alimentava de frutas que encontrava e bebia água de riachos. Uma jornada para deixar para trás uma vida difícil em um país que, desde 2015, vive uma crise econômica com hiperinflação, desemprego, queda acentuada de poder aquisitivo e onde muitos enfrentam a fome. A inflação na Venezuela bateu recorde em 2018, quando chegou aos estratosféricos 130.000%. De lá para cá, a taxa caiu muito, mas fechou 2021 em absurdos 686,4%. A crise levou o marido, que era pintor de automóveis, a fechar a oficina de funilaria.

A família vivia com US$ 600 do salário de Deixy como auxiliar de cozinha em um restaurante. O valor equivale a cerca de R$ 2.900 no Brasil, mas na Venezuela "dava apenas para comprar arroz e feijão, mais nada", recorda. Depois de passar três meses em Boa Vista, a família veio para Campinas, onde ela tinha emprego garantido em um shopping center, como auxiliar de limpeza. A rede de centros de compras tem parceria com o projeto Empoderando Refugiadas, uma iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Rede Brasil do Pacto Global e ONU Mulheres, que visa promover o acesso de mulheres em situação de refúgio ao mercado de trabalho brasileiro. A empresa já contratou refugiados para trabalhar em unidades de São Paulo, Campinas e Brasília, e prevê abrir novas vagas.

"É muito bom poder contribuir para mitigar as dificuldades que as refugiadas e os refugiados da Venezuela têm enfrentado, além de contribuir para a diversidade, equidade e inclusão dentro de nossa equipe", afirma o gerente geral do shopping de Campinas, Paulo Tilkian Filho. "Estou muito agradecida aos militares, ONU, ao shopping, ao Brasil", diz Deixy, que mora na cidade há sete meses. Agora, as metas dela são conseguir vaga na escola e economizar dinheiro para trazer o irmão e a filha de 15 anos que ficaram na Venezuela, bem como ajudar amigas a também fazerem a viagem.

O sonho de ter os filhos novamente perto é compartilhado por outros refugiados. "Quando eu falo com eles bate uma saudade imensa. Preciso trazê-los para Campinas, porque minha mãe já está com 77 anos de idade e precisa de cuidados", desabafa a haitiana Wisline Homere. Ela e o marido Jean Homere estão radicados em Campinas desde 2014 e têm o sonho de trazer os filhos que ficaram em Porto Príncipe, capital do país da América Central. Como mandam dinheiro para a manutenção da família, é difícil economizar para cobrir as despesas da viagem, calculada em torno de R$ 25 mil. Wisline é zeladora de um clube social, enquanto Jean trabalha como pedreiro em Campos do Jordão (SP). O casal conta com a ajuda de um grupo de colaboradores que promove eventos para ajudar na arrecadação de dinheiro.

Atendimentos

Mariangel Del Valle Alvarez Subero sonha em trazer os filhos de 15 e 11 anos que ficaram na Venezuela. Ela, o marido e outros dois filhos, de 18 e 6 anos, moram em Campinas há sete meses. "Lá, não tem serviço, não tem comida", diz Mariangel, que é formada em marketing e hoje trabalha como auxiliar de limpeza. "Viemos para o Brasil para buscar sustento para nossos filhos, que são o mais importante", afirma.

Há nove anos no Brasil, a nigeriana Stella Chinyer não tem planos para voltar para seu país. "Estou muito feliz no Brasil. Só volto lá para passear", afirma. Recentemente, ela foi promovida a atendente de fraldário após trabalhar como auxiliar de limpeza.

Entre janeiro e fevereiro deste ano, a Prefeitura de Campinas atendeu 394 imigrantes, sendo a esmagadora maioria refugiados ou com visto humanitário em situação social crítica.

Em apenas dois meses, os atendimentos superaram em 22,7% toda a demanda do ano passado, quando 321 estrangeiros procuraram o serviço.

Entre os que buscam apoio da Administração, a maioria é constituída de haitianos. Foram 171 atendimentos voltados para pessoas vindas do Haiti.

Porém, esse grupo recebeu do governo federal o chamado visto humanitário e não entrou como refugiado. O visto é dado para originários de países em situações adversas, como catástrofes naturais, conflitos armados, instabilidade política e institucional, além de violações aos direitos humanos.

O segundo grupo que mais procurou a Prefeitura foi o de venezuelanos (163). Foram registradas entrevistas sociais com outros estrangeiros que alegam terem sofrido perseguições das mais variadas formas em seus países, como cubanos, hondurenhos, colombianos, indianos, romenos e sírios.

Os estrangeiros recebem apoio do Serviço de Referência a Imigrantes, Refugiados e Apátridas (SMADSDH), ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiências e Direitos Humanos, os refugiados conseguem apoio para diversas ações sociais.

Eles conseguem inserções em programas sociais governamentais, encaminhamentos para cursos de qualificação profissional, direcionamento para vagas de trabalho, doação emergencial de roupas e cestas básicas. Os imigrantes também têm acesso a um serviço específico para conseguir documentação e direcionamento para matrículas em estabelecimentos de ensino.

"Quando algum estrangeiro vem até aqui pedir ajuda, nós fazemos uma entrevista social e, se constatada a situação de vulnerabilidade social, os direcionamos para integrar vários programas sociais", explica a secretária da Assistência Social, Vandecleya Moro.

Para o professor de Direito Internacional Renato Dellova, presidente da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Campinas, no caso dos refugiados, a mudança de país é um resultado de fuga de guerra ou de alguma perseguição política, religiosa ou de qualquer natureza. "Campinas também é perto de São Paulo e possui o Aeroporto Internacional de Viracopos. Isso é um importante atrativo para a passagem e chegada de estrangeiros refugiados", analisa. "A cidade costuma acolher bem os estrangeiros", acrescenta.

Segundo o especialista, o crescimento do número de ações governamentais envolvendo refugiados na cidade ocorre principalmente porque a situação política e social da Venezuela se agravou com a ditadura imposta pelo presidente Nicolas Maduro. Ele explica que os venezuelanos passaram a ser reconhecidos como refugiados por começarem a solicitar essa condição. Porém, ele frisa que o Conselho Nacional Para os Refugiados (Conare) pode demorar até cinco anos para conceder essa condição ao estrangeiro. "O caso dos venezuelanos faz parte de uma condição excepcional", diz.

O advogado afirma que muitos refugiados chegam à cidade em condições sociais críticas e muitos estão desempregados ou vivendo por intermédio de subempregos. "Muitos trabalham, não são nem registrados e nem recebem seus salários em dia. Não temos um total mapeamento sobre essa condição, mas é a realidade", afirma.

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