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Campinas vira novo polo de atração de imigrantes

Cidade paulista recebe leva variada de estrangeiros, de profissionais qualificados a trabalhadores vulneráveis, e expande política migratória
Haitiano Hugo Alindo (centro) leva o amigo Moise Pierre-Rene, recém-chegado do Chile, para regularizar situação em serviço da prefeitura Foto: Edilson Dantas 28-03-2019 / Agência O Globo
Haitiano Hugo Alindo (centro) leva o amigo Moise Pierre-Rene, recém-chegado do Chile, para regularizar situação em serviço da prefeitura Foto: Edilson Dantas 28-03-2019 / Agência O Globo

CAMPINAS — Quando chegou ao Brasil, em 2009, a engenheira Alexa Bresciani era a única venezuelana no bairro em que morava em Campinas, no estado de São Paulo. Expatriada de uma multinacional, ela diz que era difícil achar vizinhos venezuelanos e outros latino-americanos. Em dez anos, o cenário é outro.

— Hoje me sinto quase em meu país. A comunidade venezuelana cresceu tanto com os expatriados que chegam de avião, para trabalhar em empresas, quanto com os venezuelanos vindos por terra de Roraima — conta Alexa.

Chegam pessoas de outros países também. Em especial, de Haiti e Cuba. Muitas têm parentes ou conhecidos na cidade. Para algumas, Campinas oferece mais oportunidades do que a vizinha São Paulo, a 90km, com maior concorrência e caos urbano. Mas não é só. Campinas se destaca pela diversidade de nacionalidades, em um cenário que também alimenta uma estrutura crescente de atendimento a essa população.

Em maio, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça, deve instalar uma base na cidade. A ideia é criar um novo espaço para entrevistar imigrantes que já solicitaram refúgio.

Campinas também é considerada como futuro centro de redistribuição de imigrantes estrangeiros que estão no Norte do Brasil. Essa discussão corre em Brasília, mas ainda não foi definida.

— O caso de Campinas é particularmente importante para o contexto de formulação de políticas sociais para imigrantes internacionais. Por se configurar um polo tecnológico, tem a presença de imigrantes com alta especialização profissional e imigrantes com menor especialização e nível de escolaridade — explica a professora do departamento de Demografia da Unicamp Rosana Baeninger, coordenadora do Observatório das Migrações em São Paulo.

Além de venezuelanos, haitianos e cubanos, a cidade conta com imigrantes bolivianos, peruanos e colombianos. Entre os africanos, há congoleses, ganeses, guineenses, senegaleses e um fluxo mais recente de angolanos. O menor movimento é do Oriente Médio.

O perfil geral é majoritariamente masculino e jovem. Até meados de 2015, a imigração era mais de pessoas com Nível Superior, com pouca experiências em trabalhos braçais, por exemplo. O quadro começou a mudar com a entrada de imigrantes com formação equivalente ao Ensino Médio e Fundamental, e experiência em atividades ligadas a construção civil, confecção, hotelaria, bares e restaurantes.

Haitianos vêm do Chile

O Serviço de Referência ao Imigrante, Refugiado e Apátrida da prefeitura é hoje o principal centro de atendimento a essa população em Campinas.

— Existem pouquíssimas cidades, mesmo com recebimento de fluxo migratório, com serviço específico para atendimento dessa população. E, diferentemente de São Paulo, Campinas não tem organizações da sociedade civil com histórico de trabalho com imigrantes e refugiados — diz Fábio Custódio, diretor de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos.

O serviço da prefeitura foi criado no final de 2016 e atende cerca de 18 pessoas por dia. É um espaço pequeno, mas essencial para quem chega sem orientação e perdido entre papéis consulares. Em uma tarde da semana passada, a sala estava lotada.

Alexa Bresciani, engenheira venezuelana, chegou em 2009 a Campinas. Ela diz que era a única venezuelana no bairro. Em dez anos, cenário mudou bastante. Foto: Agência O Globo
Alexa Bresciani, engenheira venezuelana, chegou em 2009 a Campinas. Ela diz que era a única venezuelana no bairro. Em dez anos, cenário mudou bastante. Foto: Agência O Globo

Os psicólogos sociais Valéria Scatolini e Dorival Guilherme orientavam e respondiam as dúvidas de quem chegava. O haitiano Hugo Alindo levou o amigo Moise Pierre-Rene, que chegou há um mês do Chile, para fazer os trâmites para uma carteira de trabalho. Hugo está há um ano e meio em Campinas e trabalha em um restaurante. Moise quer uma vaga como mecânico.

— O Chile é frio, complicado, não paga bem — diz.

O governo chileno endureceu recentemente as regras para imigrantes. Haitianos que saem do Chile e de outros países da América do Sul são os mais numerosos na leva atual em Campinas.

— A maioria já viveu no Brasil e, devido à crise econômica, foi tentar melhores oportunidades em outros países. Mas, há alguns meses, ocorre um intenso processo de retorno. Não porque a situação no Brasil melhorou, mas pelas dificuldades grandes também enfrentadas em outros locais. — explica Custódio.

Por já ter vivido aqui, esse grupo tem amigos ou parentes, o que facilita o retorno. Também chama a atenção um aumento de pedidos de cubanos. Com o fim do programa Mais Médicos, os profissionais da saúde que não voltaram a Cuba buscam regularizar sua situação no Brasil.

Ao mesmo tempo, Campinas ganha algumas iniciativas da sociedade civil. Em 2017, Alexa criou com outras voluntárias de seu país o grupo "Amazonas", para ajudar famílias venezuelanas imigrantes de menor poder aquisitivo. Na primeira ação, arrecadaram 340kg de alimentos, roupas, calçados e livros infantis. Não é uma estrutura fácil, para ONGs e governo. A nova base do Conare, prevista para daqui a um mês, levou mais de um ano entre planejamento, negociação e capacitação de pessoal.

- Dependemos de parcerias e de pessoal. Conseguimos o apoio da prefeitura de Campinas e da Unicamp, e a ideia é poder aumentar nossa capacidade - diz Bernardo Laferté, coordenador-geral do Conare.

Segundo ele, a nova base deve ocupar o mesmo espaço do serviço já existente da prefeitura.